Estrada Real - de Jacobina a Rio de Contas
A Estrada Real tem três trechos: a) O Caminho Velho que liga Paraty (RJ) a Ouro Preto (MG); b) O Caminho Novo que liga Ouro Preto a Rio de Janeiro e c); O Caminho dos Diamantes que liga Ouro Preto (MG) a Chapada Diamantina (BA), além de outro trecho que foi aberto para o desvio dos minerais que ficou conhecido como “descaminho”, sendo responsável pelo extravio de toneladas ilegais de ouro. Pela rota baiana, passavam também gêneros alimentícios que saíam das grandes fazendas de criação de gado, das localidades do Rio São Francisco (BA), com destino aos povoados e vilas mineradoras que estavam sendo fundadas na região de Minas Gerais.
Bem próximo à sede do município, tínhamos dois resquícios da Estrada Real, um era o calçamento em pedras na ladeira ao chegar a Itaitu, que foi removida quando o prefeito Carlos Daltro (Carlito), resolveu fazer algumas obras naquela localidade e removeu a história do Brasil, da Bahia e de Jacobina. Próximo ao balneário Sombra e Água Fresca, na estrada boiadeira, tínhamos outro resquício em pedras, graças a administração atual, que ao licenciar as obras do esgotamento sanitário da cidade que terá as lagoas de decantação naquela região, permitiu a construtora Sobrado a remover parte de uma história.
Restam-nos ainda dois trechos da Estrada Real próximo à sede do município, um é uma estrada bem antiga que liga a BR a Itaitu passando pelas ruínas de uma igreja. Esta estrada deixou de ser usada quando foi construída a estrada atual (por isso que está preservada). O outro resquício da Estrada Real e talvez o mais importante que nos resta é o Gogó da Gata no Tombador Velho ou Tombador do Araújo, no território da Bacia Hidrográfica do rio Salitre.
Com a exploração literalmente do arenito nas Serras do Tombador e com o movimento de veículos das empresas para instalação de torres de medição para a energia eólica, estão acabando com o maior resquício da Estrada Real na Bahia. Para conhecer melhor a história do Araújo me assessorei de Raphael Maia, filho do vaqueiro Hugo Maia que viveu quase 90 anos naquela região, principalmente na localidade conhecida como Mutuca.
Saindo de Jacobina chegamos à comunidade do Araújo, onde tem ainda vários casarões e uma linda Igreja. Logo após a comunidade, começa a subida para o Tombador do Araújo que já foram removidas todas as pedras, perto do local conhecido por Gogó da Gata é que ainda encontramos a Estrada Real que vem sendo criminosamente destruída pelo tráfego de caminhões pesados naquela preciosidade.
Quantos municípios queriam ter uma relíquia daquela para viver de vender turismo? Jacobina tem e já destruiu dois trechos e agora inicia a destruição do maior trecho da Estrada Real. Não podemos permitir o que vem acontecendo, ao ouvir Raphael Maia e outros moradores que nasceram naquela região, sentimos a tristeza e a aflição de verem aquele trecho da Estrada Real sendo dilapidado com o processo de circulação de veículos pesados fazendo o transporte do arenito do Tombador por aquela relíquia de estrada. Ainda não tenho netos, mas gostaria muito de levá-los lá quando for premiado com esta dádiva e explicar a eles que Jacobina faz parte da história do Brasil colonial, principalmente na história aurífera do Brasil.
Estrada tão velha que nas narrativas de Antônio Guedes de Brito ao fazer a declaração de seus bens e da administração de suas sesmarias ao magistrado Sebastião Cardoso de Sampaio em 1677, nos fala da abertura de estradas “pelo norte” entre os rios Jacuípe e Itapicuru até Jacobina e desta até Cachoeira, a procura de lugares para estabelecer seus currais.
As Estradas Reais no Brasil, segundo Márcio Santos - pesquisador de rotas históricas e autor de Estradas Reais: introdução ao estudo dos caminhos do ouro e do diamante no Brasil - durante muito tempo, foram as únicas vias autorizadas de acesso à região das reservas auríferas e diamantíferas em Minas Gerias e na Bahia.
O Programa ESTRADA REAL, criado pelo Governo do Estado de Minas Gerais e Sistema FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, através do Instituto ESTRADA REAL, é uma rota turística de interesse internacional que atravessa uma das mais belas regiões do Brasil, interligando cidades históricas e o patrimônio natural, cultural, artístico e arquitetônico de quatro estados Brasileiros: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. As ações para a consolidação deste programa foram iniciadas nos três primeiros estados, abrangendo 177 municípios em 1.400 km de percurso.
Na Bahia, a ESTRADA REAL abrange um total aproximado de mil quilômetros de extensão que interligam 42 municípios, sendo 28 na zona turística da Chapada Diamantina e 14 na Baía de Todos os Santos.
O professor e historiador Lauro Adolfo conta que no século XVIII, Jacobina e Rio de Contas eram os maiores produtores de ouro na Bahia. A fim de cobrar o quinto de todo o mineral extraído, o rei de Portugal determinou a Pedro Barbosa Leal, que já edificara as vilas de Jacobina, no Saí, e Rio de Contas, no sopé da serra das Almas, a tarefa de abertura da estrada de ligação dessas duas vilas mineradoras, por onde, mais rapidamente, se deveria deslocar o ouro extraído.
Leal concluiu sua obra em 1725, como atesta a carta do vice-rei e capitão-general do Brasil, Conde Sabugosa, Vasco Fernandes César de Menezes ao rei D. João V, para dar conta da abertura de um caminho de ligação de Jacobina ao Rio de Contas e da criação de uma vila para cobrar e arrecadar os quintos das minas. Portanto, a cobrança do quinto e o efetivo escoamento do ouro com a segurança e a rapidez possíveis. Por ter sido uma obra determinada pelo rei de Portugal, a primeira estrada aberta no interior da Bahia, ligando as duas minas, ficou conhecida como Estrada Real.
Na construção das estradas coloniais, em geral, utilizavam-se técnicas rudimentares, apenas de terraplanagem de uma estreita faixa, para o deslocamento, sem embaraços, de cavaleiros e tropas. O sertanista Joaquim de Quaresma Delgado, empreendeu uma viagem por essa estrada que caracterizada pelos detalhes, permite identificar praticamente todo o seu curso e a maioria das referências geográficas, das fazendas e povoações, dos caminhos vicinais. Trata-se, pois, de preciosa fonte para o estudo da história colonial da Capitania da Bahia, em particular das regiões mineradoras de Jacobina e Rio de Contas.
Roteiro empreendido por Joaquim Quaresma Delgado, respeitando-se a grafia original.
Da Jacobina à Fazenda da Mutuca. Da Jacobina à Lagoa dos Padres da Missão da Jacobina uma légua, desta ao pé das serras do Tombadouro2 2 léguas e aqui está uma casa com sua roça desta acima do Tombadouro ao Sorvedouro um quarto de légua e está um poço formado da natureza, cujo fim não se tem ainda vasado e está a direita da estrada debaixo de umas árvores que o cobrem, desate à fazenda de gado cavalar por nome a Mutuca um quarto de légua e fica esta a parte esquerda da estrada. Tem água e pastos.
OJatubá3, fazenda do dito gado e 2 léguas. Das Mutuca ao Jatobá há 2 léguas e fica esta em direitura da estrada, tem pastos e água pela banda detrás da fazenda à parte do sudoeste.
Ao meio da Catinga das Flores4 4 léguas. De Jatobá ao meio da Catinga das Flores há 4 léguas, não tem pasto nem água em toda a jornada, somente aqui tem algum pasto antes de chegar a uma porteira que aqui tem e por força se deve fazer esta viagem.
Da fazenda das Flores à fazenda da Volta e o rio Jacuipe5. Das porteiras ao meio da catinga a fazenda das Flores duas léguas, desta à fazenda da Volta pouco menos de 1 légua e mais adiante cousa de meio quarto de légua rancho ao pé do rio Jacuípe. Estas duas fazendas criam gado cavalar e em qualquer delas se pode arranchar por ter pasto e água.
A fazenda do Coronel das Estradas João Peixoto6, distrito já do Morro do Chapéu7 4. Do rio Jacuípe à fazenda do coronel João Peixoto há 4 léguas e não há água, mas não falta pasto, mas é conveniente ir a dita fazenda que tem água e pastos e cria gado vacum e cavalar.
Á Boca da Catinga. Desta fazenda à Boca da Catinga são 2 léguas e 1 quarto aqui à parte esquerda fica o Morro do Chapéu e entre ele e o rancho que é ao pé da estrada de uma catinga, fica aguada em um alagadiço.
A Lagoinha 3. Da Boca da Catinga em distancia de 1 légua, descendo para baixo, se dá em uma várzea que em tempo de água há de ter água e bons pastos mas agora não tem e d´aqui uma légua se dá uma várzea grande que aqui chamam Lagoinha e fica a parte direita da estrada ao despedir de uma catinga baixa e aqui se vê o rancho também a parte direita mais agora não tem nem uma coisa nem outra e por força se há de descansar aqui.
Ao Riacho das Pedras9 cinco léguas. Desta Lagoa Riacho das Pedras há cinco léguas e aqui descendo para baixo em uma varzinha como Riacho ao pé a parte direita e o Rancho debaixo de uma grande árvore. Aqui tem pasto e água, mas agora na seca tem água em Caldeirão e pasto nenhum, mas quando o tem se vai por um caminho que fica para a parte do sul pela catinga dentro e um bocado de caminho que fica para a parte do sul pela catinga dentro e um bocado de caminho se dá em cima de um monte sem mato aonde cria capim.
A estrada prossegue passando por várias localidades que depois se tornariam municípios, mas optamos encerrar a descrição até aqui, pois nosso objetivo é descrever a história de Morro do Chapéu, portanto a estrada chegou ao limite do município com Cafarnaum.
1 Pedro Barbosa Leal, baiano, filho de um coronel de ordenança homônimo e de Antônia Maria de Vasconcelos, capitão de infantaria em 1691, senhor de engenho, sesmeiro entre os rios Sergipe e Japaracuba. Por determinação do governador geral João de Lancastre (1694-1702), procurou Belchior da Fonseca Saraiva, o Moribeca, para se informar sobre minas de prata que o seu bisavô teria descoberto no interior da Bahia. Com pequena expedição, palmilhou os montes de Picaraçá e Jacobina, até as margens do São Francisco, onde descobrira ametistas e salitre. De Itabaiana regressou a Salvador. Em 1697, voltou a Jacobina, depois de nomeado por Lancastre administrador do salitre de Curaçá, onde permaneceu até 1702. no ano seguinte, descobriu ouro em Jacobina e, em seguida, acompanhou Lancastre em inspeção à fábrica de salitre de Curaçá. Decepcionado por não conseguir sesmarias no rio de São Francisco, pleiteou e obteve terras entre o rio Doce e Itacambira onde pesquisou minerais e guerreou contra populações nativas. Por determinação do vice-rei, em 1720 edificou Jacobina, em 1724, Rio de Contas, e em 1725, a estrada de interligação dessas vilas pioneiras nos sertões da Bahia. Nesse mesmo ano, comunicou ao vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes (1720-1736), a descoberta por Antônio Carlos Pinto, das minas do rio Paramirim (FRANCO, 1989:207).
2 Ramificação da cordilheira do Espinhaço que atravessa o município de Jacobina de norte a sul, no qual se desenvolveu a atual povoação de Tombadouro do Araújo.
3 Atual povoado de Praça do Jatobá, na serra do Tombadouro, nascente do Itapicuru-Mirim.
4 Atual povoado de Flores, no município de Morro do Chapéu.
5 Curso d´água que nasce nas cercanias de Morro do Chapéu e deságua na Bahia de Todos os Santos.
6 João Peixoto Viegas, neto do português de Viana do Castelo, de nome idêntico, e Bárbara Fernandes; filho de Francisco de Sá Peixoto e Ângela Bezerra. Combateu índios no Paraguaçu com Antônio Veloso da Silva e Francisco Alves Correia, em 1727, quando se feriram no ataque à aldeia de João Amaro. Cinco anos depois, com André da Rocha Pinto e Manoel Queiroz Sampaio explorou ouro em Rio de Contas (CALMON, 1985: 491-494; FRANCO, 1989:438).
7 Município criado em 1864, com território da freguesia de N. S. das Graças do Morro do Chapéu, desmembrado de Jacobina e da freguesia de N. S. da Conceição de Mundo Novo, que se emancipou de Monte Alegre, atual Mairi. Em 1880, a freguesia de Mundo Novo se reincorporou a Monte Alegre.
8 Povoação do município de Morro do Chapéu, limítrofes do atual município de Cafarnaum.
9 Atual povoado de Lagoa das Pedras, no município de Cafarnaum.
Fontes: http://hfnoticias.blogspot.com/2011/05/lauro-adolfo-historia-de-morro-do_31.html
Raphael Rodrigues Vieira Filho em: Jacobina na visão de cronistas, viajantes e cartógrafos
Raphael Maia: Filho do vaquei Hugo Maia autêntico griô (contador de histórias) que viveu quase 90 anos transitando por aquela estrada e passou para seu filho muitas histórias.
ps: fotos by almacks luiz silva.
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Conheço o trecho de Xique-Xique do Igatu, é lindíssimo!!!
ResponderExcluirClarissa.