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quarta-feira, 25 de maio de 2011
MICARETA EM SUAS ORIGENS
MICARETA EM SUAS ORIGENS
Por Will Dâmaso de Oliveira
( “CORREIO DA SERRA” – JACOBINA 19/26.04 – 10/17.05 – 1980).
No ano do Centenário grande e imensa é a responsabilidade dos semanários jacobinenses. Isso porque é claro, os historiadores do futuro procurarão interpretar nosso estágio cultural pelo nível de quantos, ao assumir a responsabilidade de urbe secular, se julga digno de fixação em letra de imprensa, seja pela forma, em vãos apelos aos lapsos de revisão, seja pelo fundo, alheios a inconsistente explicação de que a oportunidade do binômio delegado- professora prepondera sobre o dualismo passado – futuro. Assim sendo, ao enfocar qualquer assunto do ponto de vista histórico, é preciso despir-se da romântica ingenuidade louvaminheira e perquirir os arcanos do pretérito com ousadias não autorizadas pela documentação disponível, formulando hipóteses a comprovar e tendo sempre como fanal único à luz irradiada da verdade dos fatos, na separação do joio do trigo e propiciarão melhor alimento à árvore do saber.
Tendo em mente tais idéias, nós, que embora nos deleitemos como amadores da espeleologia e da arqueologia não temos a veleidade de penetrar os segredos da historiografia. Não obstante, fomos levados a reconstruir alguns aspectos da MICARETA DE OUTRORA e da tal forma, as conclusões nos surpreenderam que a submetemos ao escalpelo da crítica e a análise dos entendidos.
PRIMEIRAS INDAGAÇÕES
Buscando anotar curiosidades características de nossas extemporâneas expansões carnavalescas, LOURDES procurou ouvir os muitos (graças a Deus) macróbios lúcidos da nossa sociedade, até que o octogenário Sr. VESPASIANO PIRES (senhor Vespa) que lhe forneceu oportunas achegas, como também a sua avó IAZINHA. Senhor VESPA indicou seu dileto e respeitável amigo BINHA ARAÚJO, jovial remanescente das lideranças da mocidade de antanho. O senhor BINHA não se fez de rogado. Contou casos, pôs à disposição a poesia que fizera ao ensejo dos cem anos da sua querida Filarmônica “2 de Janeiro”, (só agora publicada), relembrou a MICARETAS DA SEGUNDA DÉCADA DESTE SÉCULO, forneceu dados adicionais após tirar dúvidas com os velhos companheiros.
Como víramos por volta de 1960, uma propaganda do jubileu de prata da MICARETA DE FEIRA DE SANTANA, passamos a imaginar que a Jacobina poderia caber a precedência das festividades em todo o Estado.
Procuramos Dr. Florivaldo Barberino, por muitos chamados o “historiador de Jacobina” e ele eruditamente relacionou: ENTRUDO – MICAREME – FOLCLORE sem, contudo precisar datas.
NOMES QUE ATRAPALHAM
Tomando o pião na unha, passamos a examinar cuidadosamente as três tônicas da Exposição do ilustre médico.
Nossos léxicos dão ENTRUDO E CARNAVAL como sinônimos em sentido lato. GUSTAVO BARROSO, porém, à luz da etimologia, em “SEGREDOS E REVELAÇÕES DA HISTÓRIA DO BRASIL, define ENTRUDO senso estrito (INTROITUS), como o Carnaval Molhado em que os transeuntes eram mergulhados em banhos lustrais ou encharcados pela água lançada de bacias e baldes por quantos se comprimiam em janelas e balcões, ou ainda atingidos por certeiros limões e laranjinhas de cera, verdadeira granada de água.
Em fins da década de vinte, o clorentil ou lança-perfume substituiu em definitivo os limões ou laranjinhas e bisnagas de água de cheiro, enquanto a palavra ENTRUDO cede lugar ao termo CARNAVAL, mesmo quando o lança-perfume é proibido e desaparece do mercado.
A expressão MI-CAREME parece figurar como Pilatos no Credo. De fato, na terra onde pontificaram Carneiro Ribeiro e Ruy Barbosa, dois gigantes da Gramática e da Filologia, é pelo menos estranho que a palavra francesa tenha imperado soberana, sem maiores reparos, numa época em que a francesia era tida como dos mais inomináveis crimes contra a língua. E pior é que o termo tomado de empréstimo, não traduzia a realidade do fato, pois literalmente CAREME significa QUARESMA e MI-CAREME é meio de QUARESMA, ou mais precisamente, a festa da terceira quinta-feira da QUARESMA, enquanto que a MICARETA começava ao término do período quaresmal. Isto, na França. Entre nós, nos idos do século XVII, havia e ainda há alguns lugares, a SERRAÇÃO DA VELHA durante a QUARESMA, mas o nome francês foi aplicado por pseudo-eruditos ao CARNAVAL FORA DA ÉPOCA.
Quanto ao FOLCLORE, não dispondo de qualquer obra de consulta, apelamos para a Senhorita RAQUEL HERMIDA, biblioteconomista competente e bibliotecária dedicada que já nos havia concedido publicações, não encontráveis facilmente. Ela se lembrou de que fizera um curso de FOLCLORE com a professora HILDEGARDES VIANA e tratou de telefonar-lhe. A mudança do número telefônico e o desencontro nos horários convenientes foram meros percalços. Não hesitou em usar o aparelho telefônico na hora de almoço, sujeitando-se às reprimendas da ocupadíssima Professora.
Mas valeu. A HILDEGARDES informou que os festejos da MICAREME de Salvador, datavam de 1914 e coincidiam com o DOMINGO DA PÁSCOA, até que, em 1935, A TERDE e outro jornal fizeram um concurso para a escolha do nome da festa a ser deslocada para o primeiro domingo após a PÁSCOA. Venceu a sugestão de Alberto Carvalho, que propusera a designação de MICARETA. Tudo conforme consta do livro “CASOS E COISAS DA BAHIA”, de Antônio Viana, porém hoje difícil de ser encontrado.
Em Jacobina, se bem que a nossa MICARETA seja anterior à da Capital, também para evitar interferência com as solenidades religiosas, as festividades passaram a se realizar após o domingo da RESSURREIÇÃO e o nome de MICARETA prevaleceu sobre o de MICAREME.
1912 - MICRETA EM JACOBINA
O senhor BINHA ARAÚJO é sobejamente conhecido em nosso meio, de modo que salientar-lhe os méritos, aqui seria o mínimo, chover molhado. Cumpre, entretanto, enfatizar a segurança com que rememorou fatos e detalhes, firmeza só comparável à simplicidade com dizia “não sei” ou só verificando com os amigos. Segundo ele, a popular e leiga celebração da PÁSCOA com três dias de festejos carnavalescos, surgiu em Jacobina no ano de 1912, por iniciativa do italiano PULCINO MAFFEI, aqui residente, que organizou o bloco “ÁS DE COPAS”.
Mas, não sei como ou de onde lhe veio a idéia, acrescentou logo em seguida.
Então, passamos nós a conjecturar. Seria a apelação de uma comunidade urbana sufocada?...
As já trintenárias sociedades filarmônicas, talvez por não disporem de sede adequada, omitiam-se. Resultaria do isolamento?...
A estrada de ferro só seria inaugurada em 1912 e o tráfego rodoviário só começaria a ter qualquer significação dezenas de ano depois. Teria sido resultado das tentativas de transferir o Carnaval do Rio de Janeiro para estação menos quente?... Convém lembrar que, em 1912 a campanha se repetiu a pretexto de luto pelo Barão do Rio Branco.
Parece que as causas sugeridas não se excluem antes se somam, principalmente quando se analisam as festividades à luz das rememorações dos sobreviventes de lúcidas épocas. De fato, em falta dos meios de comunicação de hoje, cada centro urbano desenvolvia a sua própria maneira de MALHAR O JUDAS, de modo que seria natural prosseguir a comemoração com canções patrióticas, Quilombos, Danças de Carrinho, De Velhos e Argolinhas, dando origem a expansões fundamentalmente populares.
Esse o fundo para a exibição de cavalos ricamente ajaezados e rebenque de prata, contrapondo-se a humilde massa de mascarados, com chicotes, para dar vazão as reprimidas expansões, não raro criando sérios problemas.
Se Maffei, em 1912, acrescentou um período álacre ao calendário festivo da sua modorrenta cidade, só em 1915, por iniciativa de D. MARIA ALVES, se organizou o primeiro desfile de rainha. Curiosidade digna de nota, como a caracterizar a diferença entre o dia e a antes da luz elétrica, era a eleição da rainha: a da noite (morena) e a do dia (loura). Também o carro alegórico hoje teria interesse, de vez que se tratava de carroça puxada por burros, tudo cedido gratuitamente, pois não se dispunha de verbas ou contribuições em dinheiro, como ocorre na mercantilizada sociedade de nossos dias.
PESQUISA
RESSURGE A “2 DE JANEIRO”
Contam de um dos nossos famosos boêmios que ele, certa feita embrulhou num papel, alguns botões e, num bilhetinho ao seu alfaiate, escreveu: -“Fulano, pregue-me um terno nesses botões”.
Algo não muito diverso ocorreu em 1917. O maestro ZOROASTRO, munido da simples batuta definidora de sua dignidade, apresentou-se a Dona ELVIRA DA COSTA PINTO DIAS PIRES (digníssima nonagenária d. IAZINHA, que Deus conserve!...) e expôs suas dificuldades de comando sem comandos. A ilustre dama não deixou por menos e, fazendo questão de só contar com o seu compadre VERCELAU FREITAS, prometeu providenciar.
Disse e cumpriu. Mandou bordar a ouro o estandarte até hoje existente, providenciou imponente fardamento para os músicos e o fato é que naquele ano, a Sociedade Filarmônica “2 de Janeiro” surpreendeu a cidade com animadíssimos bailes ao término do período pascoal, no Sobrado da Almas ( segundo Milton Teixeira, outrora Casa de Fundição), enquanto As VIVANDEIRAS surgiam como Grupo marcante durante anos a fio.
A Orquestra de então, foi o germe das que acompanhavam os filmes exibidos no tempo do cinema mudo.
RIVALIDADE FECUNDA.
Em 1921, já se podiam caracterizar os blocos de sujos pela manhã, os desfiles à tarde e os bailes noturnos.
Em 1922, acirrada a competição entre a AURORA e a DOIS, os Coronéis GALDINO (líder da primeira) e ERNESTINO (da segunda) providenciaram a vinda da Linha de Tiro (hoje Tiro de Guerra) e da banda de Senhor do Bonfim, resultando festejos que ficaram na memória de todos..
A década seria assinalada também pela atuação marcante de Sinhá MARCOLINA alma das BORBOLETAS FALENAS, bloco que se apresentava de amarelo-e-preto, dançando na própria casa de Sinhá MARCOLINA, pois nenhum dos dois tradicionais clubes dispunha de sede com salão de festas.
A iluminação era a carbureto e as duas sociedades filarmônicas porfiavam em atender às pretensões do povo.
ARTISTA E CUÍCA
Em 1935, sob influxo talvez de Getulismo nascente, as classes populares organizaram o CLUBE DOS ARTISTAS, que reúne artífices e artesãos, desafogando os problemas cruciais e de seletividade dos grêmios elitistas da pequena comunidade. Que a providência se impunha, prova-o a estrondosa festa de 1936, no salão da prefeitura Municipal, de que até hoje falam com saudade os foliões sobreviventes, apesar do princípio de incêndio. Além do natural saudosismo, forçoso é não esquecer a introdução da Cuíca como parte essencial da orquestra nos salões, sem falar na consolidação dos grupamentos tipicamente carnavalescos como os blocos: CHINÊS, PEGA FOGO e ASSASSINOS DA TRISTEZA.
O ano de 1941, por exemplo, marcaram de modo indelével as comemorações: fantasias alugada aos FANTOCHES, desfiles de carros alegóricos, rainha, blocos tradicionais e novos, orquestra desfilando montada em belos cavalos convenientemente enfeitados, tudo concorria para deslumbrar o povo da pequena cidade interiorana.
MICARETA PLENA
Passaram-se os anos. A folia não sofre interrupções. Mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, os três dias momescos são comemorados com maior ou menor entusiasmo, ao findar o período quaresmal.
Em 1951, também sob a influência das autoridades religiosas, os festejos passaram a iniciar-se no segundo domingo da Páscoa (ou melhor, no sábado respectivo) e até hoje assim procede. Para muitos, tal defasagem é que assinala verdadeira distinção entre a MICARETA e a MI-CAREME, apesar da consagração do neologismo no concurso de 1935.
Os Clubes já dispõem de sedes próprias e se consolida a comemoração como parte do calendário festivo: não mais no SOBRADO DAS ALMAS, na PREFEITURA ou num dos CINEMAS, exceto as improvisações para as classes menos protegida, que encontra em eventuais depósitos vagos, o local de seus bailes (Feijão Furado, Mamona, etc.).
Na década de 60, os trios elétricos passam a animar as Micaretas, ás vezes mais de um bloco para que o povo brinque à vontade.
Nos anos 70, a municipalidade e os Clubes se empenham em propiciar desfiles de fantasias premiadas nos maiores centros, de forma que, sem perder o seu caráter eminentemente folclórico, nossa MICARETA hoje rivaliza com os melhores carnavais do País e conta com crescente participação do povo, embora o brilhantismo possa oscilar em torno da melhor ou da pior qualidade das orquestras e trios contratados, da maior ou menor visão dos presidentes das Associações recreativas e da mais ou menos efetiva disponibilidade financeira dos cofres públicos.
TOMADA DE POSIÇÃO
As breves considerações retro não podem deixar de ter alguma significação para a história de nossa centenária cidade e justificam as conclusões a seguir:
*A MICARETA, típica expressão do folclore baiano, parece ter-se originado em Jacobina, aonde vem se realizando ininterruptamente desde 1912, quando Salvador e Feira de Santana ainda não se entregavam às folias da MI-CAREME.
A palavra MICARETA, de uso corrente na Bahia e aprovada em concurso popular, ainda não é registrada no mais recente dicionário autorizado (o excelente Aurélio, que também não registra lelê, como guloseima baiana). Assim, oportuno lembrar a predominância do gênero feminino, por influência da desinência careta, terminada esta pelo sufixo diminutivo eta (a careta, a vareta, a chaveta, etc.). Não importa que aumentativo seja do gênero masculino, de vez que isso é fenômeno consentâneo com a índole da língua (a lista- o listão, a valeta- o valentão, a parede- o paredão e a Micareta- o Micaretão).
*Estas notas são sérias, algo mais que simples estória ditada fantasia, mas, não definitivas. Outros devem corrigi-las e completá-las com documentação e provas. O trabalho de ANTÔNIO VIANA, já citado, e os jornais daqueles tempos poderão constituir-se em fontes de informações complementares. Para a pesquisa em periódicos, lembrar-se que o domingo de páscoa situa-se entre 22 de março e 25 de abril.
*Se cada jacobinense se dispuser a escrever uma notinha, apresentando um documento escrito ou uma fotografia interessante, em breve se conseguirá uma bem fundamentada reconstituição do passado da boa terra. Sem tijolos não se levantam edifícios e catedrais.
*Nossos atuais semanários poderiam alguns números dos primeiros jornais jacobinenses – talvez uma página por semana – o que facilitaria acesso a uma boa visão, remontando aos idos de 1916.
*É chegada à hora de cada um contribuir com um pequeno tijolo/ para a edificação definitiva da nossa história.
ESTES DADOS, DE AUTORIA DO DR.WILL DÂMASO DE OLIVEIRA, FORAM PUBLICADOS NO JORNAL “CORREIO DA SERRA”, EDITADO EM JACOBINA-BAHIA, EDIÇÕES DE 19 e 26 DE ABRIL, 10 E 17 DE MAIO DE 1980.
COLABORAÇÃO DE DORACY ARAÚJO LEMOS.
Doracy@newnet.com.br
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